Um romance suave, tecia sua teia na sala da vida. Era noite.
A leve brisa do anoitecer denunciava que a hora não tardava.
Cedinho da noite, adentrou um corpo suado na sala da vida.
Era um esplendor de equilíbrio que irradiava toda a virtude
aristotélica num harmonioso conjunto de órgãos.
Os olhos viram os espaços. Abriu-se uma chama de paixão.
São mesmo os olhos uma espécie de porta,
primeiro por onde entra a paixão, depois a admiração
e, por fim, o assombroso grito do amor.
A velha sala renovava o ar com o cheiro
do corpo que exalava um perfume suave, pleno de vida.
Ninguém atenta que o corpo, qualquer corpo, cheira e fede.
O ar solene da noite menina não permitia que naquele conjunto
de órgãos um cheiro mal escapasse à pele.
Era um perfume azulado que combinava com as estrelas que as mãos queriam tocar.
Os dedos suaves escorregavam pelas paredes da sala sentindo a textura do ambiente. Tocar uma coisa é perceber sua identidade; não basta olhar; nem cheirar. É preciso que as mãos vejam e sintam o teor dos objetos. A percepção depende em muitos casos do toque para que o corpo se situe no seu anzol fino e curto.
Na sala a língua salivava. Não encostava na parede, mas imaginava. A fome de quem não come vem primeiro na língua. Mas tem sua raiz no pensamento. O paladar aguçado da sala bonita fazia o corpo tremer de sabor. E comia. Comia as imagens delicadas dos quadros pendurados na parede; engolia o vinho inebriante do marrom aparentado da textura. E mais: a boca devorava os objetos brilhosos que reluziam em forma de sofá preto-leve, de centro, de cinzeiro vazio e de um pequeno vazo de rosas encantador. Mas sem flores. Um som ressoou.
O corpo vibrava mesmo era com o suave barulho do vento, a vitrola a cantarolar uns sons sem vozes. Era um som luminoso numa noite menina, fria, sem dor. Não deu outra: o corpo apaixonou-se. Desencadeou um avermelhado no rosto, um fogo por entre a coluna dorsal. E a surpresa: ela entra, encantadora, para dizer que a imagem da casa era só sacramento. Sinalizava uma beleza maior.
Não eram as paredes belas; nem as cores; nem a noite; tampouco o cheiro ou som. Era uma mulher, nova, mas séria. Tinha sua meia idade, mas a energia de uma criança. A beleza não estava nos objetos que o corpo percebia. Estava fora. Ela entrou e se chamava Maria. Brilhante e materna. Era um anjo que acolhia o mistério. Maria soava no pensamento e na vida do corpo como um sacrário numa igreja – rodeada de devoção e de amor. Mas era a mulher: simples e energética como convém a toda boa e bela criatura.
____________________________
www.sivalsoares.com
Os poemas, pensamentos, solilóquios, artigos e intuições aqui presentes
são resultado de anos de estudo, pesquisa e aprofundamento.
Se precisar citar, mencione a fonte e conserve o transcrito oficial.
A honestidade intelectual é uma boa virtude para utilizar na rede.
Boa Leitura e Pesquisa!
© sivalsoares.com
Augusto Stemboock, 51
02926-090 Curitiba
81550-080 Brasil
(41) 9525-2227
sival@rcj.org