A experiência de fé não é a empiria das ciências exatas, físicas, biológicas ou químicas. Na teologia a noção de experiência de fé é um pressuposto básico. Diz respeito ao dado existencial, às experiências vitais que envolvem o ser humano integralmente, inclusive abrindo-o a possibilidade de se compreender a partir da Transcendência.
No horizonte cristão a fé tem um caráter trinitário. Crer não significa acreditar individualmente, subjetivamente ou isoladamente. A experiência de fé é, segundo a acepção trinitária, antes de tudo, relacional, comunitária. Deus não é solidão. Ele se manifesta ao ser humano. Dialoga com as pessoas. Mas, se manifesta, se revela e dialoga enquanto pessoa do Pai, do Filho e do Espírito. É a própria trindade quem se comunica através de acontecimentos e palavras, conforme indica a Dei Verbum (cf. n. 2). Essas pessoas trinitárias se relacionam. Aliás, são modelo de relação amorosa. A Igreja, na fidelidade ao seu fundador, é mediadora, sacramento dessa graça comunicada ao ser humano, à qual designamos experiência de encontro pessoal com Cristo.
Os mares do nosso tempo são sombrios. Neles navegamos e nos construímos. A partir deles experimentamos as crises com suas diversas facetas. Uma das marcas do nosso tempo é, por exemplo, a crise de fé. Melhor afirmando: crise do conteúdo, do ethos e do modo como se celebra a fé.
Urge, em tempos de crise, uma nova evangelização. A crise de fé exige uma resposta ativa e criativa. Ativa porque, grosso modo, estando marcada pela dispersão, a crise de fé resulta duma experiência de encontro com Deus dispersiva. Isso porque as ofertas são muitas no que diz respeito à imagem divina. Demonstração evidente desse dado é a diversidade de “correntes” no interior do cristianismo (protestantismo, espiritismo, catolicismo). E cada uma dessas correntes comporta várias sob-correntes. Por exemplo, no catolicismo, pode-se dispersar na experiência de encontro com Cristo que se faz na renovação carismática, nas propostas da teologia da libertação, no catecumenato... e por ai vai. A crise, além de ser fruto de uma dispersão do encontro com Cristo, acaba por decair também numa subjetivação da pessoa do Cristo. Ora, a moral cristã se fundamenta, exatamente, no dado da fé. Por isso, havendo crise de fé, necessariamente, mergulha-se também em uma crise moral, ou seja, dos valores que decorrem da fé. Cindem-se conteúdo e práxis da fé.
A nova evangelização, sugerida pelo próximo Sínodo dos Bispos que ocorrerá em outubro, deseja despertar um novo entusiasmo, um novo modo de anunciar a Verdade sempre perene do evangelho. No fundo, trata-se da urgência de novas expressões da fé. Essa tarefa é, antes de tudo, espiritual. Trata-se de um apelo para que cada um renasça de novo, no Espírito (cf. Jo 3,1-8).
Frente a um mundo que reivindica a secularizalção, próxima à negação de Deus; diante dos fenômenos migratório que enriquecem e diluem as culturas; aos pés e sob o domínio do poder político-econômico-cultural dos meios de comunicação; mergulhados numa conjuntura globalizada, cuja marca é a mundialização de tudo, inclusive das misérias; nas cadeias e ambíguas das ciências e tecnologias... Todas essas marcas exigem da Igreja uma postura nova, um novo jeito de anunciar, testemunhar e propor a Boa Notícia. Esse anúncio requer uma resposta de fé, um esforço de inculturação e uma busca por novos meios para a transmissão da fé. Não só na perspectiva doutrinal (fides qua), mas, sobretudo, na perspectiva de uma fé pensada, vivida, celebrada.
A fé pensada é uma fé meditada, vivida. Isso requer atividade do pensamento e esforço prático. Não significa repetir fórmulas ou modelos de fé, mas, fincados na Tradição, reinterpretar e dar razões ao ato e modo de crer. A transmissão da fé, neste horizonte, requer conversão. Essa mudança radical de vida ocorre na comunidade. A catequese e o catecumenato podem ser meios pedagógicos para mediar essa conversão e assimilação do conteúdo e da prática da fé. O estilo da transmissão é de abertura ao Espírito. Isso impulsiona ao diálogo com outras culturas, com outras religiões e no interior do próprio cristianismo.
A resposta da fé pode ser um caminho para resolver nossa crise – que aliás, é de sentido, de tempo. No mundo do efêmero, relativista e hedonistas (clichês tão familiares!) perdeu-se a memória do passado e não nos projetamos ao futuro. Deixou-se de lado a referência, tipo, agostiniana de tempo, que previa um presente correlacionado com o passado e com o futuro. No mar da efemeridade, urge repensar o tempo e dá sentido à vida. O discurso sobre a fé, com o consequente testemunho, deve ser sempre contextualizado e voltado para a transcendência. Senão, esvazia-se e perde o sentido.
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sivalsoares.com - setembro de 2012
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